As Paranoias de Alastair Dias

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Bem, seguimos com a nossa jornada blogueira.
E hoje é dia de conto. Um texto breve e e versos (e sem rimas). Espero que curtam.


Camila se olha no espelho, toca-o; está úmido.
Ela se vê e vê além da aparência física;
É ela e não é ela, é a menina-moça,
A jovem de quinze anos que ela vê,
Mas há algo mais além, uma imagem nova,
Alguém que parece com ela
― Mas não é ela.
Quando toca o espelho líquido, toca a sua alma,
A sua parte mais íntima e secreta,
Ela toca a sua parte metafísica,
Uma parte antes intocável.
Camila agora toca a sua intimidade,
Autodescobre-se, sente a sua alma triste,
A sua alma jovem, a sua alma abandonada.
Quando o faz, vê em sua frente,
No gélido e úmido reflexo do espelho,
Uma jovem triste, lágrimas nos olhos,
Cristais líquidos rolando pela face branca.
É a tristeza que a domina, que a atormenta,
Um sentimento que ela oculta há anos,
Que ninguém sabe, que ninguém nota.
Camila tenta falar, mas nada sai,
Nenhum ruído, nenhum som, a voz some.
O pensamento é transmitido e captado,
A dor que apenas ela sabe e sente
É agora refletido e compartilhado pela imagem,
A imagem líquida do espelho.
Lembranças de tempos passados,
Quando era ela uma criança inocente,
Tempos felizes de infância,
Tempos que nunca voltarão.
Ela toca mais fundo o espelho,
Sentindo mais frio do que antes,
Sentindo a dor mais profunda de sua alma.
Surge na mente de Camila outra lembrança,
Esta mais triste, negra, macabra, sombria,
De um momento que a garota gostaria
Que nunca tivesse acontecido a ela,
Que fosse somente um pesadelo, e não real.
Aquele homem a agarra, beija-a, bate,
É rude e violento, ameaça matá-la se gritar,
Ameaça matar a sua família.
Ele a obriga fazer algo horrível,
Numa noite em que a menina está só,
Sozinha em sua casa, vendo a novela.
Aquele homem leva a sua infância,
Usurpa a sua inocência, faz sangrar
Tanto física quanto emocionalmente.
Adentrando ainda mais o espelho líquido,
Ela sente-se fraca, os sentidos falhando,
Mas ainda tem forças para ver a figura
Que agora ostenta uma barriga saliente.
De repente um acidente de carro
E o bebê não passa dos cincos meses,
Fato que agrava a sua dor.
E assim Camila adoece a alma,
Desejando parar de viver,
Tudo sem que ninguém perceba, ninguém saiba.
 
Quando o seu corpo entra no espelho,
Ao encontro de seu reflexo triste,
A jovem fecha os olhos negros, sentindo a paz,
A tranquilidade de um destino almejado.
Ela e a sua alma se encontram,
Completam-se totalmente,
Harmonia perfeita e eterna.
Não há mais dor para a jovem Camila.
Na manhã seguinte, quando a mãe da jovem
Entra no quarto, para acordá-la,
Encontra-a caída no chão, em frente
Ao enorme espelho da parede.
Quando se aproxima, desesperada,
Vê uma imagem que a apavora:
Sua filha, a Camila de pele branca,
De olhar triste e vida sofrida,
Brinca consigo mesma, entre rosas brancas,
Borboletas negras, floresta sombria,
Agora com um olhar alegre e sorriso feliz.


E por hoje é isso. Espero que tenham curtindo o conto/poema.

E aquela imagemzinha que os manolos gostam:

E tem a ver com o conto... ¬¬


One Response so far.

  1. Gabriel says:

    Quem nunca olhou no espelho e sentiu que a pessoa refletida era na verdade outro alguém?
    Ou sentiu que aquele mundo todo era outro mundo diferente?
    Será que existe alguém que nunca quiz atravessar para o outro lado do vidro e explorar a dimensão "invertida"?
    Eu nunca fui muito normal mesmo... Acho que é por isso que gostei tanto do seu conto. Parabéns.
    PS: Usei a conta de e-mail de um amigo para poder comentar... sniff.
    Graziella Mafraly

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